segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Como prometido, estou postando a Reportagem Perfil com o Daniel Beneventi

A vida como ela é

Depois de ter vencido dois câncer de faringe, Daniel Beneventi relata suas conquistas e superações

Aprendi que muitas coisas na vida não merecem serem levadas a sério, e outras bem mais simples, fazem toda a diferença. Parece besteira o que vou dizer agora, mas, só quem passa por isso, sabe como é maravilhoso poder comer um cachorro quente na rua, saborear o seu gosto e não sentir dor. Foi a primeira coisa que fiz quando terminei o tratamento.

Brigar por causa de trânsito, discutir com as pessoas, isso hoje eu descarto na minha vida, prefiro viver bem. Agradeço a Deus cada minuto da minha vida, por ter me dado todas essas bênçãos e livramentos.

Realizei dois tratamentos, ambos com quimioterapia e radioterapia, porém um foi muito diferente do outro. No primeiro, apesar de não perder meus pêlos com o tratamento, ele destruiu partes da minha barba e cabelo. Foi quando eu mais me abalei, não por perdê-los, mas porque o médico que realizou o tratamento falou que nunca mais iria nascer cabelos em mim.

Esse foi o único dia que chorei em todo tratamento. Lembro que quando voltava de metrô sozinho, como sempre lotado e eu em pé na porta, não consegui segurar minhas lágrimas. Eu não acreditei no que o médico tinha dito, pois tinha certeza que Deus não iria fazer as coisas pela metade.

Sempre é difícil descobrir algo ruim, ainda mais um câncer tão cedo na vida. Estava com 21 anos. Porém, sempre tive muita fé, me sentia muito forte. Sabia que ia conquistar essa batalha. Claro que foi uma surpresa, mas nunca pensei que poderia dar algo errado.

Minha maior preocupação era de como iria contar para minha mãe. Sempre gostei de ir sozinho nas minhas consultas. Nunca gostei de ir com meus pais, os conheço muito bem e sei que sofreriam calados. Então queria evitar ao máximo que eles escutassem algo de ruim.

Minha missão era estar sempre com um sorriso e muito confiante, não importasse a situação que vivia. Realizava as sessões todas as sextas-feiras. Quase sempre passava o final de semana com enjoos, e mal-estar. Mas não era a quimioterapia minha principal vilã, pois dois dias depois já estava bem melhor. A radioterapia no local onde tive o tumor me afetou muito, e apesar de ser uma radiação invisível, ela tem diversas reações.

Lembro que emagreci muito, minha boca e garganta ficaram cheias de feridas e toda queimada. Era muito difícil comer, já não tinha mais paladar e saliva por causa das mesmas sessões. Essa realmente foi uma das fases mais difíceis que tive.

Perder o paladar e não conseguir comer foi terrível. Parecia que estava comendo uma bolinha de papel molhada, era muito estranho. Já não tinha tanto apetite, e sem o paladar então piorou.

Hoje quando me alimento agradeço cada mordidinha quando sinto o sabor, tudo fica mais gostoso. Ficar surdo do lado esquerdo foi outra coisa muito ruim. Na época, devido ao local do câncer, tive uma espécie de catarro no ouvido e não ouvia nada, era uma sensação muito estranha. Sem falar do chiado que até hoje não saiu. Parece uma panela de pressão com barulho intenso. Mas, graças a Deus minha audição foi restaurada, e aprendi a não prestar atenção nesse chiado.

Nessa mesma época estava estudando e tinha bastante tempo livre. Entrei na natação e também fui convidado para participar em uma rádio da igreja onde frequentava. Fiquei dois meses trabalhando como radialista, isso me ajudou muito e foi uma experiência muito gostosa.

Já no segundo tive um tratamento maravilhoso, passei pelos mesmos processos, só que dessa vez foi diferente. As sessões de quimioterapia não eram como as do tratamento anterior. Não ficava junto com outras pessoas compartilhando o sofrimento de cada um. No primeiro não podíamos ficar acompanhados, e sentávamos em uma roda de pessoas sofrendo. Não achava ruim por estar próximo delas, só que isso afetava bem mais as pessoas que estavam em quimioterapia, tanto mental como fisicamente.

Nesse período minha imunidade baixou muito e meu psicológico não era mais o mesmo, deixando-o bem mais propício a pegar novas doenças. Nas novas sessões de radioterapia, graças a Deus, não pegou minha região bucal, não afetou meu paladar e nem minha saliva. Mesmo assim, machucou muito por dentro da garganta. Os médicos queriam colocar uma sonda no décimo dia de tratamento. Não quis, e falei que iria conseguir realizar todas as sessões sem precisar desse procedimento, foi muito difícil, mas consegui.

Procurava chegar sempre bem sorridente na sala de espera. Queria contagiar de alegria os outros pacientes e familiares que ali passavam pelo mesmo problema.

Novas Oportunidades

Lembro que antes de entrar na Pini, tinha apenas alguns meses de cursos no Senai, e ainda não conhecia a editora. Então um colega meu estava fazendo estágio e me apresentou a revista Equipe de Obra, notei que no final da revista havia uma história em quadrinhos. Como sempre gostei de arte falei pra ele me indicar na empresa, pois um dia queria fazer aquelas ilustrações. Mas, ele me falou que contratavam estagiários apenas pelo CIEE (Centro de Integração Empresa Escola) e não podia fazer nada.

O tempo passou e por um acaso me cadastrei no CIEE, não demorou muito eles me chamarem. Na primeira oportunidade fui logo ver o que a empresa oferecia. Não acreditei, pois no meio de tantas outras do ramo da construção civil, era uma vaga para estagiar na Editora Pini. Não pensei duas vezes, liguei e agendei a entrevista.

Contei minha história para a Regiane e informei que já havia tido um câncer. Estava procurando retornar ao mercado de trabalho, pois já estava curado. Apesar de poder estagiar apenas seis meses, ela, com muito carinho e responsabilidade, me aceitou e me deu a oportunidade.

Fui muito bem acolhido e motivado, sempre fui muito bem tratado pela empresa e colegas. Minha gerente sempre elogiava meus trabalhos e era uma excelente profissional. O tempo passou e os seis meses chegaram, era hora de concluir o estágio, pois estava me formando no Senai.

Na época, a PINI efetivava apenas com um ano de estágio, então estava prestes a sair. Porém, a minha gerente gostou muito do meu estilo de trabalho e de como organizava o mesmo. Lembro que ela fez de tudo para conseguir me encaixar em algum outro setor com a ajuda da Valéria do RH (Recursos Humanos) e uma conversa de corredor com o gerente Vitor.

Ela conseguiu me efetivar, que felicidade, estava a iniciar uma nova fase, pronto para evoluir. Apesar de não gostar da área que fui efetivado, não dispensei a oportunidade, sabia que um dia chegaria onde queria. Passou poucas semanas e a tão prestigiada gerente consegui uma nova oportunidade de trabalho e nos deixou. Parecia que ela estava na empresa apenas para cumprir essa missão.

Faltava algo, então no mesmo mês surgiu uma vaga no setor de Suporte. Achei que seria mais interessante, pensei que teria mais chance de chegar aonde queria. Fui e conversei com o gerente da área, acho que ele gostou de mim. Só que no dia da entrevista meu gerente não estava na empresa, não tive como avisá-lo, foi muito rápido, e também não sabia se ia dar certo.

Não deu outra, ele achou que eu havia agido de má-fé e não podia confiar mais em mim. Ao chegar à empresa foi direto ao departamento do RH tentar me mandar embora. Mas graças a Deus, encontrou pessoas maravilhosas e humanas que não o deixaram fazer isso, quase que minha oportunidade foi por água abaixo.

Com apenas dois meses de registro, havia acabado de receber a carteirinha do convênio e notei algo estranho. Comecei a sentir dificuldades em engolir alimentos e bebidas. Quando tomava água, ela voltava pelo nariz, só que não imaginava que estaria novamente com outro câncer. Realizei novos exames e foram detectados alguns tumores na região da garganta e tireóide, a qual estava comprimindo meu esôfago.

Quando fui afastado para iniciar um novo tratamento, havia acabado de fazer um curso de quatro dias de desenhos em 3D. Lembro que no hospital também pintava quadros, vendi até alguns, e os outros dei aos enfermeiros e amigos. Com o curso e o tempo vago que ficava em casa, comecei a desvendar o programa e me aperfeiçoar.

Era um programa que quase ninguém utilizava, quase não encontrava nenhum tutorial na internet. Comecei a fuçar bastante, aí juntei minha experiência obtida no Senai, voltada para o ramo da construção civil e comecei a elaborar maquetes eletrônicas. Criei um site e comecei a divulgar por e-mail. E em pouco tempo comecei a receber cotações. Para pegar confiança, recebia os pagamentos apenas depois dos trabalhos realizados.

Com isso consegui realizar vários trabalhos e conquistar clientes de diferentes portes. Sem sair de casa, meus trabalhos chegaram a outros estados como Fortaleza, Minas Gerais, Brasília e até um que era enviado pelo arquiteto para seu cliente nos EUA. Com o dinheiro dos meus primeiros trabalhos montei um computador bom que suportaria a execução dos trabalhos. O restante consegui pagar alguns medicamentos que utilizava. Ocupava a maior parte do tempo com meus desenhos. Mas também tinha em mente apresentar o trabalho na PINI quando voltasse da licença. Pois essa seria a grande oportunidade de apresentar minhas obras artísticas.

A grande companheira

Fazia eventos para a PINI já há algum tempo e sempre era chamada para ajudar no escritório um dia antes do evento. No dia 17/08/2007 conheci o Daniel, ele era novo no setor. Lembro que na hora de irmos embora a empresa teve um imprevisto e o gerente na época me pediu para ficarmos até mais tarde e ajudá-lo na organização do evento. Trabalhamos, discutimos muito e ele antes de se despedir de mim, me chamou de chata, depois disso ficamos amigos.

Após um mês que estávamos saindo o Daniel descobriu que estava novamente com câncer. Eu não sei explicar, mas na hora não me assustei. Foi estranho, acho que a gente demora pra acordar com esse tipo de problema. Simplesmente me ofereci pra ficar com ele no hospital e ele aceitou, mas ainda não namorávamos.

Nunca saí do lado dele, praticamente me internei com ele no hospital. Acho que, se ajudei em alguma coisa foi fazer com que ele esquecesse onde estava. Não tocávamos no assunto sobre a doença, na verdade assistíamos TV, jogávamos truco no quarto do hospital e quem perdia tinha que tomar contraste, era essa nossa aposta. Como o Dani é muito ruim no jogo, os médicos não tiveram problemas em fazer os seus exames.

O momento mais difícil durante o processo de recuperação foi na consulta final antes de marcar a última operação. O médico olhou pro Daniel e disse que faria o possível pra “tentar” salvá-lo. E complementou dizendo que se a cirurgia desse certo, provavelmente ele teria alguma sequela, como perda da voz ou poderia até ficar com o rosto torto devido aos nervos e à dificuldade do local da cirurgia.

Pra mim foi um choque! Perdi meu chão. Eu sabia que tinha que me conter pra dar força a ele, mas não consegui. Entrei em desespero e quem me deu força foi ele. O Daniel é uma pessoa fora do comum. Parecia que não tinha ouvido nada que o médico disse. Simplesmente pra ele não importava, ele tinha certeza que iria ficar bom, e devolveu assim a minha paz e minha fé.

Começamos a namorar mesmo, praticamente no hospital. Então foi um começo diferente, já com problemas. Conhecemos muito cedo os defeitos de cada um expostos a uma situação emocional que de certa forma intensifica esses defeitos. Aprendemos antes de sermos namorados a sermos amigos. Depois da doença o que mudou foi o comprometimento que temos um com o outro. Sentimos hoje, que com tudo o que passamos, somos capazes de superar qualquer dificuldade. Brigamos como qualquer casal, mas sabemos que depois tudo vai ficar bem.

O Daniel não é só meu noivo, ele é o meu melhor amigo. As pessoas às vezes nos olham e perguntam como aguentamos essa convivência, pois trabalhamos juntos e somos namorados. A verdade é muito simples, sentimos prazer na companhia um do outro.

Por Renato Ricarte